
A investigação que desarticulou uma das maiores estruturas de tráfico interestadual em Mato Grosso do Sul revelou que o policial penal Jonathas Wilson Moraes Cândido não só atuava para o crime organizado, como mantinha uma relação íntima com Edimilson Santos Pereira, apontado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) como um dos chefes da facção criminosa ligada ao PCC.
Mais que cúmplice, Jonathas foi tratado na apuração como um aliado estratégico. Após negociar uma motocicleta com Edimilson, ele se colocou à disposição do traficante, mesmo sabendo que se tratava de um criminoso perigoso. A relação se estreitou a ponto de o servidor público compartilhar informações sigilosas do sistema prisional e da segurança pública, contrariando completamente as atribuições do cargo que ocupa.
O Gaeco identificou que, em dezembro de 2022, Edimilson pediu a Jonathas que realizasse uma consulta restrita sobre um interno do sistema prisional que lhe devia R$ 300 mil. No dia 13 daquele mês, o policial enviou uma foto da tela do sistema oficial com os dados do preso, quebrando o sigilo funcional. Situações semelhantes ocorreram em fevereiro de 2023, quando o agente checou placas de veículos a pedido do traficante e enviou prints das telas com os resultados.
Além disso, Jonathas chegou a adquirir munições de forma ilegal para repassar a Edimilson e forneceu informações sobre operações em curso, incluindo fotos de um agente do próprio Gaeco durante cumprimento de mandado.
A organização criminosa, conforme apurado pela reportagem, operava com dezenas de envolvidos. Parte do grupo era responsável por armazenar os entorpecentes em depósitos até a comercialização. Outro núcleo atuava no transporte da droga, com motoristas ligados a empresas formais de carga, usados como batedores e condutores de grandes carregamentos. Entre os dias 20 e 25 de agosto de 2022, por exemplo, cerca de 100 kg de droga foram levados até São Paulo por um dos integrantes, que recebeu R$ 12 mil pela viagem.
Mulheres ligadas aos líderes do esquema atuavam na movimentação financeira da facção, realizando transferências e recebendo valores em espécie, em troca de vantagens. A distribuição das drogas ficava a cargo de intermediários que compravam, vendiam e faziam a ponte com terceiros. O grupo também contava com apoio técnico, como um serralheiro responsável por adulterar cilindros de oxigênio usados para esconder os entorpecentes.
Toda a engrenagem criminosa veio à tona após a apreensão do celular de Edimilson, durante uma operação do Gaeco. As conversas e registros encontrados no aparelho revelaram não só a estrutura complexa da facção, mas também o nível de influência que ela exercia dentro do Estado, por meio da cooptação do servidor público.
Operação Blindspot – Segundo o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, a organização criminosa usava caminhoneiros cooptados para transportar drogas escondidas sob cargas lícitas, utilizando mochilas, estepes, cilindros de oxigênio e caixas para despistar a fiscalização. A ação resultou no cumprimento de 67 mandados judiciais, sendo 37 de prisão e 30 de busca e apreensão, nos estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais.
No território sul-mato-grossense, os alvos estavam localizados em Campo Grande, Dourados, Corumbá e Ladário. Já nos outros estados, os mandados foram cumpridos em cidades como São Paulo, Campinas, São José do Rio Preto, Mairinque, Mirandópolis, Caiuá (SP) e Uberaba (MG).
Jonathas já havia sido preso preventivamente em março de 2022 durante a Operação Courrier, também conhecida como Sintonia dos Gravatas, que desarticulou um esquema de venda de favores a detentos do PCC, com envolvimento de advogados e servidores públicos. À época, ele foi acusado de facilitar transferências e regalias dentro do sistema penitenciário, mediante pagamento.
Em junho daquele mesmo ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a prisão preventiva do policial penal, entendendo que não havia urgência na medida e que ele era réu primário, com histórico funcional considerado positivo até então. Com isso, foi solto sem tornozeleira eletrônica e segue respondendo ao processo em liberdade, sem medidas cautelares.
As audiências do caso anterior começaram em fevereiro de 2023, na 6ª Vara Criminal de Campo Grande, mas ainda não há sentença definitiva.
Apesar das acusações e de estar novamente no centro de uma grande operação, Jonathas permanece em atividade na Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), com salário bruto de R$ 7.334,91, conforme informações do Portal da Transparência. Ele também é citado em uma denúncia registrada em 2022 por ameaça a um vizinho, o que reforça o histórico de condutas suspeitas atribuídas ao servidor.