
EUA acreditam que a Ucrânia não tem as ferramentas necessárias para levar a cabo a tão antecipada contraofensiva. Algumas reservas de munições ucranianas podem durar menos de uma semana
Os documentos altamente classificados do Pentágono divulgados nas redes sociais pintam um cenário “muito aquém” do desejado por Kiev, numa altura em que se prepara para uma contraofensiva contra a Rússia. A CNN Portugal leu 38 documentos que alertam que a falta de munições e vulnerabilidade contra ataques da aviação russa podem colocar em causa as ambições ucranianas.
“Como é que se lança uma ofensiva desta natureza sem este material? Esta é uma guerra com um desgaste muito grande. A Ucrânia tem um apoio muito avançado, mas não acredito que tenham capacidades para ter sucesso”, questiona o major-general Agostinho Costa.
O documento aponta também o que Washington acredita ser uma falta de acesso a munições que se pode revelar crítica nas ambições da Ucrânia em recuperar o território ocupado pela Rússia. A guerra, que muitos especialistas afirmam ser mais parecida à Primeira Guerra Mundial do que com a Segunda devido ao número de munições de artilharia utilizadas, está a levar ao consumo intenso no que toca a algumas das mais importantes munições.
Segundo os EUA, no final de fevereiro, a Ucrânia já tinha utilizado 9.584 mísseis de precisão GMLRS, disparados do sistema HIMARS. Isto significa que a Ucrânia está a disparar, em média, cerca de 50 mísseis por dia. À data em que o documento foi redigido, os serviços de informação americanos estimavam que a Ucrânia ainda tinha 278 munições em reserva, o que significa que a Ucrânia teria consumido todas as suas reservas até ao final de março. A empresa que produz estes mísseis, a Lockheed Martin, produz 10 mil unidades por ano, mas já assinou vários contratos com o Pentágono para aumentar a capacidade de produção para 14 mil foguetes por ano.
Mais grave parece ser a situação no que toca à “rainha do campo de batalha”: a artilharia pesada de 155 mm. Os Estados Unidos afirmam que a Ucrânia consumiu 951.752 projéteis, quase metade das reservas norte-americanas. O exército liderado por Valerii Zaluzhnyi, à data do relatório, estava a gastar uma média de 3.474 munições por dia e tinha apenas 10.892 unidades de reserva, ou seja, o suficiente apenas para quatro dias. Tanto a Europa como os Estados Unidos estão focados em aumentar a produção e enviar munições para a Ucrânia, mas algumas das vozes mais importantes da indústria militar sublinham que este processo demora tempo. Tempo que a Ucrânia pode não ter.
“A Ucrânia não vai cancelar a contraofensiva. Existe uma enorme pressão política, tanto em Kiev como vinda de Washington. Mas o material de guerra ocidental ainda não chegou. O conselheiro político de Zelensky disse mesmo que um acordo de paz seria um suicídio político. Há muita pressão”, sublinhou o especialista militar.
A fuga de informação confirma algo que já se sabia e acrescenta algum detalhe. Os EUA estão a tentar comprar 330 mil munições de todas as fontes possíveis a um dos maiores produtores, a Coreia do Sul, mas a liderança do país tem-se mostrado relutante em vender munições, com receio de que esta vá parar às mãos do exército ucraniano. No final do ano passado, a Coreia do Sul acordou vender munições aos Estados Unidos da América para voltar a reforçar as suas reservas de armamento, que atingiram níveis críticos depois do envio de milhões de munições para a Ucrânia. Esta informação causou polémica na Coreia do Sul, devido à forma como foi obtida. Segundo o documento, os EUA escutaram as conversas de vários políticos coreanos.
Mas um dos grandes dilemas de Kiev prende-se com a defesa antiaérea, exausta depois de uma forte campanha que ocorreu durante o inverno, quando a Rússia tentou destruir a rede energética do país em pleno inverno. Até à data, a Ucrânia tem conseguido deter as qualidades aéreas da Rússia, devido às capacidades antiaéreas de materiais herdados pela União Soviética, em particular os poderosos sistemas S-300. Mas os mísseis para estes mecanismos são produzidos na Rússia, que desde 2014 deixou de fornecer munições à Ucrânia.
Segundo os americanos, restam apenas 476 munições à Ucrânia, que está a consumir uma média de 200 mísseis por mês. Isto significa que, a este ritmo, a Ucrânia poderia ficar mais vulnerável no que toca à importante defesa antiaérea e ficaria limitada aos sistemas fornecidos pelo ocidente como o Patriot, Hawk, NASAMS. Ainda assim, peritos militares questionam se o número de unidades fornecidas é capaz de fazer diferença no campo de batalha, durante a contraofensiva ucraniana.
“Os sistemas Buk já esgotaram e os S-300 esgotam no início de maio. Sem defesa aérea é completamente impossível lançar uma contraofensiva. A força aérea russa está a entrar agora na guerra. Tirando os combates de atrição em Bakhmut e Avdiivka, têm vindo a ser batidos recordes o número de vítimas de avião”, alerta Agostinho Costa.
Segundo as informações norte-americanas, os problemas ucranianos não se ficam apenas pelo campo do material. Os analistas do Pentágono acreditam também que Kiev tem sérias lacunas no que toca ao treino de militares. Os Estados Unidos da América acreditam que o processo de treino ucraniano pode estar a ser apressado, de forma a conseguir juntar militares suficientes para conduzir o tão antecipado contra-ataque, e que isso poderá ter repercussões no desempenho destes militares no campo de batalha.
Os dados que constam nos 38 documentos a que a CNN Portugal teve acesso mostram que, nas melhores hipóteses, os soldados ucranianos treinados no estrangeiro têm uma formação de três meses, o equivalente ao período de recruta. Apesar deste período de treino ser suficiente para compreender e executar o básico das funções militares, vários especialistas apontam para o facto de este ser pouco tempo para preparar os militares a combater em coordenação com unidades maiores e em operações tácticas mais complexas, como as necessárias para recuperar o território ocupado pela Rússia.
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