A história dos bebês reborn, bonecos hiper-realistas que simulam recém-nascidos, remonta ao início dos anos 1990 nos Estados Unidos. O que começou como customização por entusiastas de bonecas evoluiu para uma sofisticada forma de arte e um fenômeno cultural com implicações sociais e políticas. O termo “reborn” descreve o meticuloso processo de transformar uma boneca comum em uma representação incrivelmente realista de um bebê, através de técnicas como pintura de pele em múltiplas camadas, inserção individual de cabelos, criação de microveias e detalhamento das unhas.
Embora a origem dos bebês reborn não seja atribuível a uma única pessoa, a arte floresceu pela dedicação de inúmeros artistas e artesãs que, com técnicas inovadoras e estilos distintos, elevaram continuamente o nível de realismo dessas criações. Um exemplo notável é a artista alemã Karola Wegerich, que em 1999 confeccionou uma boneca realista como consolo a um amigo pela perda de um bebê, demonstrando desde cedo o potencial emocional e terapêutico dessas peças.
Desde o final dos anos 1990, a criação de bebês reborns se disseminou globalmente, com um crescente número de artistas dedicados à produção personalizada para uma clientela diversificada. Esses artesãos desenvolvem técnicas e segredos próprios para conferir autenticidade e tangibilidade a seus bebês, explorando materiais e métodos que mimetizam a textura, coloração, peso e maleabilidade da pele humana.
O fascínio pelos bebês transcendeu o colecionismo, originando uma subcultura vibrante com convenções, encontros e comunidades online que proporcionam troca de experiências, exibição de bonecas e formação de laços. A existência de competições atesta o alto nível de habilidade e a busca pela excelência nessa comunidade.
As motivações para adquirir um reborn são diversas: colecionadores apreciam a arte e os detalhes, enquanto outros encontram conforto emocional, lidam com perdas, solidão ou o desejo de maternar/paternar. A notável semelhança com bebês reais pode evocar sentimentos de carinho e cuidado.
O crescente realismo e a integração dos bebês reborn na vida cotidiana de alguns proprietários geraram debates legais e sociais. No Brasil, foram propostos três projetos de lei visando restringir o tratamento dado a esses bonecos, coibindo o que se considera simulações indevidas da realidade.
Um dos projetos, do deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG), busca proibir o atendimento hospitalar a bebês reborn em unidades de saúde. A proposta do deputado Zacharias Calil (União Brasil-GO) visa tipificar como infração administrativa o uso desses bonecos para obter benefícios ou tratamento preferencial, com multas revertidas a fundos para a primeira infância. A deputada federal Rosangela Moro (União-SP) propôs um PL para oferecer atendimento psicológico no SUS a pessoas com sofrimento mental causado pelo vínculo com bebês reborn, com respeito à diversidade afetiva e vedação de tratamento estigmatizante.
A discussão ganhou visibilidade com a exposição de rotinas de proprietários nas redes sociais, retratando os bonecos como bebês reais, com nomes, certidões simbólicas, simulação de cuidados e até visitas médicas. Essa representação pública intensificou o debate sobre os limites da interação humana com esses objetos e a distinção entre realidade e simulação.
No cenário político, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), utilizou o tema para criticar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comparando o governo federal a um “bebê reborn” em uma publicação nas redes sociais, inserida em um contexto de polarização e da busca de Zema por se consolidar como alternativa política.
A Longa e Complexa Desinstitucionalização Psiquiátrica no Brasil
A discussão sobre os bebês reborn e a relação de alguns indivíduos com eles pode evocar reflexões sobre a tênue linha entre realidade e representação, levantando, em um paralelo distante, questionamentos sobre a evolução do tratamento em saúde mental. Nesse contexto, é crucial revisitar a história dos manicômios no País e o processo, ainda em curso, de sua superação: a desinstitucionalização.
A desinstitucionalização é um processo multifacetado de retirada progressiva e planejada de pessoas de instituições totais, como hospitais psiquiátricos de longa permanência e asilos, visando sua reinserção e inclusão na comunidade.
Em Manaus, o Hospital Eduardo Ribeiro, criado em 1894 e formalizado como Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (CPER) em 1982, foi historicamente a principal instituição psiquiátrica da região. Relatos de seu passado indicam condições precárias e tratamentos desumanos, comuns a muitos manicômios. Apesar de esforços de modernização, o modelo de internação de longa permanência foi questionado. O Eduardo Ribeiro foi desativado em agosto de 2022, alinhado aos princípios da Reforma Psiquiátrica, com a transferência de pacientes para serviços como os SRTs. Atualmente, o Centro de Saúde Mental do Amazonas (CESMAM) é a principal referência para urgências psiquiátricas na cidade.
A história dos manicômios no Brasil é marcada pelo isolamento e segregação, tendo o Hospício de Pedro II (RJ, 1852) como precursor. Instituições como o Colônia de Barbacena (MG) tornaram-se símbolos trágicos de violência institucional. Durante a Ditadura Militar, manicômios foram usados como controle social, com relatos de violações de direitos humanos.
A superação desse modelo, a Reforma Psiquiátrica, ocorreu gradualmente desde a década de 1970, com críticas ao modelo manicomial e defesa de uma atenção humanizada e comunitária, culminando no Movimento da Luta Antimanicomial nos anos 1980, com o lema “Por uma Sociedade Sem Manicômios”.
Marcos importantes incluem a regulamentação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em 1992 e a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), que estabeleceu direitos e diretrizes para a desinstitucionalização e a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
A implementação da RAPS resultou na expansão de serviços comunitários e na redução de leitos em hospitais psiquiátricos. Em atendimento à Lei nº 10.216/2001, também conhecida como Lei Antimanicomial ou Lei da Reforma Psiquiátrica, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu prazos para o fechamento dos manicômios judiciários, conforme previsto na regulamentação a ser feita por este órgão.