“Bloco do Mangue” arrasta mais de 18 mil pessoas pelas ruas de Curuçá

Em 2010, o bloco conquistou importantes títulos, sendo declarado como Patrimônio Cultural do Estado do Pará pela Lei Nº 7.383 de 16 de março de 2010 e pelo Patrimônio Cultural do Município de Curuçá, via Lei Nº 1.981

Sob a chuva típica do período, o bloco do Mangue levou mais de 18 mil pessoas para as ruas de Curuçá, município do nordeste do Estado, na tarde deste domingo (3). Esse foi o 30º desfile do bloco, que este ano fez uma crítica às barragens de minérios e propôs uma reflexão sobre a corrupção.  “Tragédia é um terremoto, um tsunami. O que houve (em Brumadinho) foi um crime. Estamos levando essa mensagem para a avenida”, disse o presidente do bloco, Edmilson Campos, o “Cafá”.

“A gente leva a mensagem da preservação do nosso meio ambiente e do nosso mangue. A nossa lama, que é o nosso abadá ecologicamente correto, traz cultura, paz e alegria. E a lama de Brumadinho é a lama da corrupção, do crime e do descaso”, comentou.  E acrescentou: “É um carnaval seguro, da família”. Mais ou menos 200 seguranças particulares, além de policiais civis e militares, garantiram a segurança dos foliões.

Os integrantes do bloco fizeram uma homenagem aos moradores de Brumadinho e também a seu Antonio, conhecido como “Quepe”, que, aos 80 anos, é um dos brincantes mais experientes a saírem no bloco.

Depois de pintar o corpo no barro preto do manguezal, os foliões seguem em um arrastão de 1,5 quilômetro pela cidade, passando pela travessa 7 de Setembro, local de evolução do desfile, até a praça Coronel Horácio. Muitos moradores acompanham a passagem do bloco de suas casas.

O bloco saiu pouco depois das 16 horas, marcando a tradição no carnaval de Curuçá, que também alerta para a importância da conscientização ambiental.

À frente do desfile, o carro abre-alas com o símbolo maior da folia local, o caranguejo, medindo um metro de altura por três de comprimento. A engenhoca faz movimentos e até mexe as patas. Logo atrás vem o carro da ostra, trazendo dentro da concha um destaque feminino, que representa a beleza da mulher curuçaense e distribui ostras naturais para os foliões durante o percurso. Há ainda o carro do Guará, seguido por um grupo de brincantes printados com argila vermelha. Os guarás simbolizam o cenário do mangue, berço de reprodução de várias espécies nativas.

Outra alegoria é a barraca do “avuado”, que mede dois metros de altura por dois de comprimento e mostra pessoas cozinhando caranguejo e assando peixe, sempre com o acompanhamento de pimenta, farinha e limão, como reza a tradição do município. E as iguarias preparadas são de verdade, tanto que são degustadas pelos foliões durante o desfile.

A concentração do bloco começou às 13 horas, no porto do Mangue, ao som do carimbó tocado por músicos da terra que se apresentaram em um palco montado nessa parte da cidade.

É no porto que fica a lama com a qual os brincantes fazem o seu “abadá” ecologicamente correto, dermatologicamente aprovado (já que não causa nenhum tipo de alergia), e economicamente viável (visto que se trata de um material extraído da natureza). Crianças, jovens, idosos, todo mundo entra no mangue para se produzir e aproveitar a folia. E dizem que o barro não causa nenhuma tipo de alergia. É, portanto, diversão garantida para todas as idades e classes sociais.

A manicure Nazaré Correa, de 42 anos, mora em Belém e está curtindo o carnaval de Curuçá pelo terceiro ano. “Eu gosto de passar o carnaval aqui porque o povo é bastante acolhedor, a gente se sente em casa”, contou. “É tudo de bom. Essa lama é o nosso shampoo”, completou o promotor de vendas Antonio Machado, 42 anos, e que também saiu no bloco pelo terceiro ano. “Esse, sim, é o carnaval ecológico. E ainda chama atenção para a importância da preservação ambiental”, defende ele, que como Nazaré, também mora em Belém.

A técnica de enfermagem Denize de Lima, de 48 anos, foi outra foliã que não se fez de rogada. Esse foi o primeiro ano que ela passou  carnaval em Curuçá. “É muito bom. Adoro caranguejo e já estou me sentindo um”, disse. “Estou viúva há dois anos. E, agora, decidi fazer coisas que nunca fiz, uma delas era passar um carnaval aqui”, afirmou. Denize parecia realmente disposta a aproveitar tudo o que puder. Ainda na noite deste domingo, ela dará plantão em um hospital de Belém e garante que tem disposição para os outros dias de folia.

Rui Nazareno, 42 anos, também mora em Belém, no bairro da Pedreira. “É meu terceiro ano, mas vou continuar vindo. É uma beleza, não tem o que reclamar”, comentou.

A vendedora Sueny Renata, 34, acompanha o bloco há quatro anos. “É maravilhoso. A lama não irrita e nem incomoda. A gente pega lá do fundinho (do mangue)”, disse ela, que mora em Belém.

Há mais de 20 anos saindo no bloco, o servidor público Paulo Rocha, 62, só não tinha lama na boca e nos olhos. Na cabeça, ele sempre usa umas folhas, retiradas do mangue e que, segundo lhe contaram, garantem proteção. “A gente tem que preservar o meio ambiente”, defendeu, citando a tragédia em Brumadinho (MG). “Se a gente mexe com o meio ambiente, ele dá a resposta com certeza”, afirmou.

Ele se lambuzou da lama retirada de um ponto mais distante do mangue e ainda levou um pouco para os amigos”.

O professor Jorge Zoroastro, 59 anos, usou uma camisa toda rasgada da seleção brasileira de futebol. É um protesto. “Rasguei a Constituição “, afirmou ele, que acompanha o bloco há muitos anos e mora em Ananindeua.

Antes do banho na maré, que encerra a programação, pela primeira vez uma banda de música recebeu os foliões. “Tiramos o abadá do mangue e o devolvemos ao mangue no final do desfile”, erxplicou “Cafá”.

O bloco surgiu como uma brincadeira em 1989, numa terça-feira de Carnaval, quando dois amigos, Everaldo Campos e Sebastião, resolveram ir ao mangue pegar alguns caranguejos para o tira-gosto da farra. Ao observarem a escassez deste crustáceo, decidiram protestar desfilando no corredor da folia, lambuzados por inteiro de tijuco (a lama preta) e fantasiados de galhos do mangue. Aquele primeiro desfile, polêmico, se tornou no tradicional Bloco

Do Mangue, que projetou Curuçá nacional e internacionalmente por meio dessa que, é a maior festa popular do País: o Carnaval. Nos desfiles, o bloco sempre apresenta um forte apelo ecológico, como forma de difundir a conscientização para preservação do meio ambiente.

Segundo Cafá, a previsão era que o desfile reunisse de 18 mil a 20 mil pessoas, incluindo-se, aí, aqueles que assistem à passagem do bloco, segundo estimativa da Polícia Militar. Ainda segundo ele, o bloco é um genuíno representante do município de Curuçá, onde o povo se identifica com os elementos que ele traz para os desfiles, como os carros alegóricos, por exemplo. “E, por ser do mangue que o povo curuçaense tira seu sustento, é que o bloco traduz a importância desse ecossistema mangue como identidade cultural dos curuçaenses”.

Outros blocos também desfilaram no domingo, entre eles “As Curuçaenses”, “Tigre Kids”, “Birimba”, “Chupa Limão” e “Vem que tá Gostoso”. A quadra carnavalesca termina sempre com o “Bloco dos Ilhados”, que sai na quarta-feira de cinzas, só com aqueles brincantes que gastaram todo seu dinheiro no carnaval e que acabaram ficando sem condições de retornar para casa, popularmente conhecidos como “Ilhados”. A programação carnavalesca em Curuçá começou no sábado, dia 2, e vai até a terça-feira, 5.

Em 2010, o bloco conquistou importantes títulos, sendo declarado como Patrimônio Cultural do Estado do Pará pela Lei Nº 7.383 de 16 de março de 2010 e pelo Patrimônio Cultural do Município de Curuçá, via Lei Nº 1.981 de 12 de fevereiro de 2010. A partir deste momento, pode realizar maiores ações e projetos voltados para a educação ambiental, social e cultural do município, com o objetivo de ressaltar o propósito do bloco que é de preservar, para as futuras gerações, o acervo da fauna e da flora, contribuindo para a vida do mangue curuçaense.

Conteúdo Oliberal

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