O Partido dos Trabalhadores (PT), outrora símbolo da luta pela renovação da esquerda brasileira, enfrenta hoje uma contradição profunda em sua estrutura interna: a reprodução dos mesmos vícios da democracia burguesa que sempre combateu. O processo eleitoral partidário, longe de ser um espaço de disputa democrática e renovação de quadros, transformou-se em um mecanismo de perpetuação de grupos políticos que se valem de regras adaptadas para manter privilégios e acumulação de cargos.
O caso do Amazonas, onde o deputado Sinésio Campos foi reeleito pela terceira vez consecutiva à frente do diretório estadual, não é uma exceção, mas a regra em um PT que, ao longo dos últimos 20 anos, vem flexibilizando seu próprio estatuto para garantir a permanência de certas lideranças. Essa dinâmica espelha a lógica do sistema eleitoral burguês, no qual a máquina institucional favorece aqueles que já detêm poder, criando um ciclo vicioso de autoperpetuação.
A Estrutura que Alimenta a Permanência, Não a Democracia
As modificações nas regras internas do PT — como a permissão para que dirigentes com mandatos consecutivos voltem a concorrer, algo antes vedado — demonstram uma clara instrumentalização da burocracia partidária em favor da manutenção do status quo. Isso não é um acidente, mas uma escolha política. Quando o partido abre exceções para acomodar lideranças já estabelecidas, ele naturaliza um sistema em que a disputa interna deixa de ser um exercício de democracia para se tornar uma encenação, onde o resultado é previamente conhecido.
O argumento de que “não havia condições para eleições internas” em momentos anteriores, sob a justificativa de que o Presidente Lula precisava “governar em paz”, cai por terra quando se observa que, na primeira oportunidade, as mesmas regras que impediriam a reeleição de certos nomes foram alteradas. Isso não é apenas uma contradição; é a consolidação de um método que privilegia a continuidade no poder em detrimento da renovação.
A Militância Entre a Conformação e a Resistência
Há quem diga que participar dessas disputas sabendo da parcialidade da estrutura é um ato de “infantilidade”, como se a crítica à derrota fosse mero ressentimento. No entanto, essa visão ignora que a própria existência de uma oposição interna — mesmo minoritária — é fundamental para expor as fissuras de um sistema que se fecha em si mesmo. A militância que se coloca na disputa, ainda que consciente das assimetrias, não o faz por ingenuidade, mas para tensionar o partido a refletir sobre seus rumos.
A questão central não é individual (não se trata de “culpar” Sinésio Campos ou qualquer outra figura específica), mas estrutural: o PT, ao absorver as regras do jogo político burguês, permite que sua máquina seja cooptada por interesses que nada têm a ver com o projeto original de um partido dos trabalhadores. O resultado é uma progressiva despolitização, onde a filiação passa a ser tratada como um número, e a liderança, como um cargo a ser preservado a qualquer custo.
É Possível Reverter?
Se o PT deseja resgatar sua identidade, precisa enfrentar esse dilema com coragem. Isso significa:
- Revisão das regras eleitorais internas – Fim das brechas que permitem a eternização de mandatos e a acumulação de cargos.
- Transparência radical – Processos decisórios abertos, com participação efetiva da base, não apenas da cúpula.
- Formação política constante – Combater a lógica do “afilhado” que entra no partido sem consciência de classe, apenas para seguir figuras já estabelecidas.
- Romper com a cultura do “disputar para legitimar” – Se as eleições internas são apenas teatrais, elas não servem à democracia, mas à oligarquização do partido.
O PT não pode ser um partido de trabalhadores se reproduzir internamente as mesmas distorções que denuncia no capitalismo. A mudança não virá de cima, mas da pressão organizada de uma militância que se recusa a aceitar que o partido seja apenas mais uma engrenagem do sistema que deveria combater.
