Por Ronaldo Aleixo/Portal Chumbo Grosso
No turbulento palco da geopolítica, onde a compreensão dos fatos é crucial para a formação de uma opinião pública informada, a figura do jornalista assume uma responsabilidade ímpar. É nesse cenário que a recente observação de Eliane Cantanhede – “Eu não consigo entender porque nessa guerra o Irã atinge o alvo e não mata ninguém” – embora aparentemente inocente, exige uma reflexão crítica sobre o papel da imprensa e a ética que deve nortear sua atuação.
A perplexidade expressa pela renomada jornalista, longe de ser um sinal de profunda análise, pode, paradoxalmente, beirar a ingenuidade ou, o que é mais preocupante, um recorte conveniente da realidade. Em um campo de batalha onde as estratégias são multifacetadas e as intenções raramente unidimensionais, a incapacidade declarada de “entender” por que um ator como o Irã optaria por ataques sem vítimas fatais imediatas levanta questões sobre a profundidade da investigação e a busca por informações que vão além da superfície.
A ética jornalística exige mais do que a mera constatação de um fato aparente. Ela demanda a contextualização, a exploração de todas as hipóteses e a apresentação de um panorama o mais completo possível para o leitor. No caso dos ataques iranianos, as razões para uma aparente ausência de fatalidades são múltiplas e amplamente debatidas por especialistas em relações internacionais e estudos militares. Ignorar ou subestimar essas possibilidades, em público, através de uma declaração de incompreensão, pode ser interpretado como um desserviço à complexidade do tema.
Será que a busca pelo “furo” ou pela frase de efeito, por vezes, sobrepõe-se à responsabilidade de educar e informar com a devida nuance? A frase de Cantanhede, embora instigante, corre o risco de simplificar excessivamente uma estratégia militar complexa. Não seria mais ético e informativo para a audiência que a jornalista, em vez de expressar sua incompreensão, apresentasse e analisasse as possíveis razões por trás desse padrão de ataque?
Entre as justificativas plausíveis para a estratégia iraniana de ataques sem mortes – que deveriam ser exploradas em vez de apenas expressar surpresa – estão:
Desejo de evitar escalação total: Um ataque letal poderia desencadear uma retaliação devastadora, que o Irã talvez não deseje ou não tenha condições de sustentar no longo prazo.
Demonstração de capacidade e disparidade tecnológica: Atingir alvos precisos sem mortes pode ser uma forma de mostrar que o Irã possui a tecnologia e a capacidade de ataque, mas que está optando por contenção – uma mensagem tanto para o inimigo quanto para a comunidade internacional.
Ganhos políticos e psicológicos: Atingir símbolos sem causar fatalidades pode ser mais eficaz para abalar o moral do adversário e consolidar a narrativa interna de “resposta” sem gerar um custo humano inaceitável.
Teste de defesas aéreas e inteligência: Ataques controlados podem ser usados para sondar as defesas inimigas e coletar informações valiosas sem o risco de uma escalada.
A crítica aqui não reside na capacidade da jornalista, mas na forma como a informação é processada e apresentada. Em um cenário de guerra, a precisão e a contextualização são vitais.
A função do jornalista não é apenas questionar, mas também buscar e apresentar as respostas, mesmo que parciais, para as perguntas que ele próprio levanta. Expressar “incompreensão” sem a subsequente exploração das diversas facetas da questão pode deixar o público mais confuso do que esclarecido, alimentando talvez uma percepção errônea sobre a falta de lógica em eventos complexos.
A ética no jornalismo, especialmente em cobertura de conflitos, exige vigilância constante contra a simplificação excessiva, a subjetividade não declarada e a tentação de se deter apenas na superfície.
O papel do jornalista é desmistificar, não perpetuar mistérios com declarações que podem soar como um “não sei” em vez de um “vamos investigar juntos as múltiplas possibilidades”.
A voz que “não consegue entender” pode, ironicamente, silenciar as nuances necessárias para uma compreensão genuína dos eventos.