O uso de maconha durante a gravidez está associado a um desenvolvimento fetal deficiente, baixo peso ao nascer, partos perigosamente prematuros e até mesmo morte, de acordo com uma nova meta-análise de pesquisa.
A descoberta mais impressionante é o aumento do risco de mortalidade perinatal – morte durante a gravidez ou logo após o parto”, afirma a obstetra e principal autora do estudo, Jamie Lo, professora associada de obstetrícia, ginecologia e urologia na Escola de Medicina da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, em Portland.
Trabalhos que realizamos anteriormente mostram que o uso pré-natal de cannabis afeta a função e o desenvolvimento pulmonar fetal, reduzindo o volume pulmonar do bebê”, explica. “Também verificamos que existe uma diminuição significativa do fluxo sanguíneo e da disponibilidade de oxigênio na placenta. Esses são os prováveis mecanismos subjacentes que impulsionam algumas de nossas conclusões.
A placenta é um elo crítico entre a mãe e o feto em desenvolvimento, fornecendo oxigênio, nutrientes e hormônios necessários para o crescimento. Quando esse elo é danificado, tanto a mãe quanto o feto correm risco.
Uma falsa sensação de segurança
Apesar dos potenciais danos para o bebê antes e depois do nascimento, o uso de maconha durante a gravidez está aumentando. Uma análise de 2019 com mais de 450 mil grávidas americanas com idades entre 12 e 44 anos, feita pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA, descobriu que o consumo de cannabis mais do que dobrou entre 2002 e 2017.
A maior parte do uso de maconha ocorreu durante os primeiros três meses de gravidez, revelou o estudo, sendo predominantemente recreativo em vez de medicinal.
Existe a percepção errônea de que, por a maconha ser natural e à base de plantas, não é prejudicial”, analisa Jamie Lo. “Lembro minhas pacientes que o ópio e a heroína também são à base de plantas. O tabaco é uma planta, e o álcool também é feito de plantas.
Consumir álcool durante a gravidez provoca a síndrome alcoólica fetal. Fumar danifica os pulmões e o cérebro em desenvolvimento do feto – sendo também uma causa da síndrome da morte súbita do lactente, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.
Tomar opioides, como fentanil, heroína ou cocaína, são causas bem conhecidas de malformações congênitas, desenvolvimento fetal deficiente e natimortalidade, além de haver um risco elevado de o bebê nascer dependente e ter de passar por um processo de abstinência.
Esses resultados médicos são conhecidos apesar da ausência de ensaios clínicos com o “padrão-ouro”, que pediriam a mulheres grávidas para consumir álcool, fumar tabaco, tomar heroína, cocaína, oxicodona ou fentanil e, em seguida, comparar os resultados com mulheres grávidas que se abstiveram. Tal pesquisa, naturalmente, seria extremamente antiética.
Assim, dado que um ensaio clínico randomizado sobre o impacto da cannabis em um feto nunca ocorrerá, os cientistas concentram-se nos resultados relatados pelas próprias mães.
Esta revisão sistemática é única no sentido de que apenas analisamos estudos em que a cannabis foi usada durante a gravidez”, explica Jamie Lo. “Trabalhos anteriores incluíram estudos que também analisaram o uso de cannabis juntamente com outras substâncias, como a nicotina ou o álcool.
A qualidade da evidência está aumentando à medida que mais estudos são realizados.
A nova pesquisa, publicada recentemente no JAMA Pediatrics, analisou 51 estudos com mais de 21 milhões de participantes.
O uso de maconha durante a gravidez foi associado a um risco 52% maior de parto prematuro antes de 37 semanas – a gestação completa são 40 semanas – e a um risco 75% maior de baixo peso ao nascer, ou seja, menos de 2.500 gramas no parto, segundo o estudo.
Apenas seis estudos analisaram o impacto da cannabis na mortalidade. Esses estudos descobriram um risco 29% maior de morte infantil associado ao uso de maconha durante a gravidez.
A nova meta-análise utilizou a abordagem GRADE (avaliação da qualidade das recomendações, desenvolvimento e avaliação) para classificar a qualidade de cada estudo. Em uma análise anterior publicada em 2024, Jamie Lo e sua equipe classificaram os estudos disponíveis como de certeza muito baixa ou baixa, o que significa que a evidência era limitada e os resultados pouco confiáveis.
Apenas um ano depois, a evidência existente foi atualizada para certeza baixa a moderada. Uma classificação moderada indica que os investigadores estão razoavelmente confiantes em usar essa informação para tomar decisões, mas reconhecem que futuras investigações podem refinar as conclusões ou recomendações.
“A pesquisa está evoluindo rapidamente nesta área”, afirmou Brianna Moore, professora assistente de epidemiologia na Escola de Saúde Pública do Campus Médico Anschutz da Universidade do Colorado, em Aurora. A especialista não esteve envolvida no novo estudo.
“Esta revisão concluiu que, à medida que mais estudos são realizados com resultados consistentes, há mais certeza de que existe uma associação entre a exposição pré-natal à cannabis e resultados adversos no nascimento”, afirma Moore.
“Não existe uma mensagem clara de saúde pública”
Além de acreditarem que a maconha é segura por ser natural, os futuros pais também estão recebendo mensagens contraditórias sobre os danos à saúde associados à cannabis.
“As percepções de segurança são agravadas pela maior disponibilidade e legalização da cannabis”, explica Jamie Lo. “Além disso, os profissionais de saúde não conseguem aconselhar de forma adequada devido à confusão provocada por estudos contraditórios. Por isso, não há uma mensagem clara de saúde pública.
“Estamos tentando mudar isso atualizando revisões sistemáticas e produzindo resumos clínicos revisados por pares para ajudar a orientar o aconselhamento e a gestão clínica.”
Historicamente, tem sido difícil investigar o uso de cannabis porque a maconha era ilegal – e continua a ser – em muitos estados americanos, e quaisquer estudos realizados tinham de cumprir regulamentos federais rigorosos.
Estudos mais antigos, muitas vezes realizados nos anos 1980, quando a maconha era muito menos potente, podem não refletir a realidade atual, segundo os especialistas.
Uma investigação da última década relacionou o uso de maconha ao declínio cognitivo e demência, a complicações durante cirurgias eletivas e a um risco acrescido de certos tipos de câncer. Os consumidores de maconha têm quase 25% mais probabilidade de necessitar de cuidados de emergência e hospitalização, segundo um estudo de 2022.
Qualquer nível de uso de maconha pode aumentar o risco de acidente vascular cerebral em 42% e de ataque cardíaco em 25%, mesmo que não haja histórico prévio de doença cardíaca e que a pessoa nunca tenha fumado ou vaporizado tabaco. A cannabis também foi associada a arritmias cardíacas como fibrilação auricular; miocardite – uma inflamação do músculo cardíaco –, a espasmos das artérias do coração e a um maior risco de insuficiência cardíaca.
Os jovens que consomem maconha têm maior probabilidade de desenvolver perturbações mentais duradouras, incluindo depressão, ansiedade social e esquizofrenia, além de abandonar os estudos, afirmou o CDC. Estudos mostram que o uso excessivo de maconha por jovens com perturbações do humor leva a um aumento das automutilações, tentativas de suicídio e mortes.
O uso diário por adolescentes e adultos pode resultar noutro efeito secundário desagradável: vômitos incontroláveis, segundo um estudo de 2021. E um estudo de 2020 descobriu que crianças nascidas de usuários de maconha apresentavam mais comportamentos psicóticos, mais problemas de atenção, sociais e de sono, bem como capacidades cognitivas mais fracas.
Reportagem CNN Portugal/ Tradução para o Brasil e revisão do texto; Ronaldo Aleixo Jornalista DRT 96423/SP