Ex-presidente Esquerdista do Uruguai ‘Pepe’ Mujica morre aos 89 anos

© José Cruz/Agência Brasil

O ex-presidente do Uruguai, José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. A informação foi confirmada pelo presidente uruguaio, Yamandú Orsi. O ex-mandatário deixou um legado na política uruguaia, sendo protagonista na transformação da Frente Ampla, atualmente a principal coalizão de esquerda do país.

Segundo sua esposa, a ex-vice-presidente Lucía Topolansky, Pepe estava “em situação terminal” e recebia cuidados paliativos. Mujica foi diagnosticado com câncer em abril de 2024 e passou por radioterapia até 16 de junho do ano passado, quando interrompeu o tratamento. Ele não participou das últimas eleições regionais, realizadas no domingo (11).

Do sítio em que vivia, na zona rural de Montevidéu, Mujica já havia falado sobre seu estado de saúde em entrevista publicada pelo jornal estadunidense The New York Times. Em uma espécie de despedida, ele disse à época: “está na hora de partir”.

“Fiz tratamento radiológico. Segundo os médicos, correu tudo bem, mas estou arrasado. A vida é bela. Com todas as suas reviravoltas, eu amo a vida. E estou perdendo-a porque está na hora de partir”, afirmou na ocasião.

Ele ainda votou no final do ano passado nas eleições presidenciais. Deu apoio ao candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi, que venceu o pleito e se tornou presidente do Uruguai.

Em janeiro deste ano, Mujica anunciou que estava com metástase hepática e não se submeteria a nenhum outro tratamento. Nesse período, com dificuldade de se alimentar, foi submetido a uma cirurgia para colocar um stent no esôfago. Há algumas semanas, a situação piorou e o ex-presidente não conseguia mais realizar atividades básicas.

Mujica havia deixado a internação para ficar em casa. Segundo a família, o espaço era mais “confortável” para o ex-presidente. Ele recebeu visitas de familiares e pessoas próximas. Uma dessas visitas foi de Alejandro Pacha Sánchez, secretário do presidente Yamandú Orsi, que disse: “Mujica sempre havia dito que queria chegar aos 90 anos”. O uruguaio faria aniversário em 20 de maio.

Apoio popular

Nos últimos dias, milhares de uruguaios manifestaram solidariedade ao ex-presidente. Mujica foi presidente do Uruguai de 2010 a 2015 e ficou conhecido por sua política progressista. As principais medidas aprovadas em sua gestão foram a legalização da maconha e a permissão do casamento homoafetivo.

Essa política fez com que Mujica se tornasse uma figura popular dentro e fora do Uruguai. O ex-presidente integrou o Movimento de Participação Popular (MPP) de 1994 até 2025. Seu grupo político publicou uma mensagem em apoio a Mujica.

“Caro Pepe! Você sempre nos disse que faria campanha até o seu último dia. Você cumpriu sua promessa e sabemos que continuará a cumpri-la. Este grupo o apoiará até o fim”, diz o texto.

História de luta

A construção política de Mujica está muito ligada à sua infância. Mujica nasceu em 20 de maio de 1935 em Paso de la Arena, uma zona rural na região metropolitana de Montevidéu. Seu pai, Demetrio Mujica, era um pequeno agricultor e morreu quando Mujica tinha 4 anos. Sua mãe, Lucy Cordano, ficou responsável por cuidar dos dois filhos.

Estudou em uma escola pública desde pequeno, mas teve que conciliar os estudos com o trabalho a partir dos 6 anos, ajudando a mãe no cultivo e venda de flores. A família tinha um terreno de 14 mil metros quadrados para a produção. Sua mãe aprendeu a cultivar flores com vizinhos japoneses que migraram fugindo da Segunda Guerra e viviam em uma colônia vizinha.

Mujica começou a estudar Direito no Instituto Alfredo Vásquez Acevedo (Iava), mas não concluiu os estudos e passou a focar na militância política. Integrou, a partir de 1956, o Partido Nacional, sigla tradicional da direita uruguaia. Nos anos 1960, Mujica radicalizou seu pensamento político e passou a fazer parte do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T), em um momento em que trabalhadores reivindicavam cada vez mais direitos e criticavam o modelo econômico baseado na exportação.

O grupo era uma guerrilha de tendência socialista que lutou contra a ditadura militar uruguaia, que durou de 1973 a 1985. Enquanto atuou pelo Tupamaros, Mujica foi preso três vezes. A primeira, em 1969, aconteceu logo depois de Mujica entrar para a clandestinidade. Ele ajudou a organizar a tomada dos principais pontos da cidade de Pando. Neste movimento, foi preso e fugiu duas vezes do centro penal de Punta Carretas. A segunda prisão ocorreu em 1971.

A terceira vez foi em 1972, após um confronto armado. Nesta ocasião, ficou 13 anos preso, encarando a maior parte da ditadura militar na prisão. Mujica foi torturado e passou por humilhações durante todo esse período. Ele e outros militantes do Tupamaros foram submetidos a maus tratos, isolamentos e foram levados a celas superlotadas em diferentes partes do país. Receberam também ameaças de morte pelos militares caso o Tupamaros retomasse as atividades fora dos presídios.

Mujica ficou 12 anos preso sem ser julgado. Anos mais tarde, sua detenção foi considerada pela Justiça uruguaia como uma prisão extrajudicial, o que ficou conhecido pelos militantes de esquerda como um “sequestro do ex-presidente”.

Saída da prisão e MPP

A liberdade para os militantes do Tupamaros foi decretada um ano após o fim da ditadura, em 1984. Em 8 de março de 1985, Mujica deixou a prisão com a anistia aos presos políticos decretada pela Assembleia Nacional. O então líder de esquerda uruguaio anunciou o fim da luta armada pelo Tupamaros. Seu grupo então concluiu que o melhor era se somar à Frente Ampla, coalizão de esquerda criada em 1971.

O objetivo de Mujica naquele momento era conseguir um entendimento e uma conciliação com socialistas e comunistas para aglutinar essas forças dentro da Frente Ampla, mas sem suplantar a coalizão. Ele começou a falar em um socialismo “nacional”, “multipartidário”, “democrático” e “participativo”, em um claro aceno aos social-democratas.

A ideia de Mujica foi dominante naquele momento em uma disputa com antigos integrantes do Tupamaros, que reivindicavam uma postura mais radical, com foco em reforma agrária, nacionalização dos bancos e aumento imediato dos salários dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, ele se mudou para um pequeno lote em Rincón del Cerro com sua esposa, para trabalhar como agricultor.

Em 1986, durante o governo de Julio María Sanguinetti, Mujica foi uma das principais vozes da oposição que conseguiu derrubar a Lei de Caducidade das Pretensões Punitivas do Estado, que pretendia dar anistia aos militares responsáveis pelos principais crimes cometidos pela ditadura. A lei foi derrotada em referendo em 1989.

Ele então formou o Movimento de Participação Popular (MPP), que se tornou uma ala mais à esquerda da Frente Ampla, unindo o próprio Tupamaros, PST e outros grupos menores: Partido para a Vitória do Povo (PVP, pró-anarquista), o Movimento Revolucionário do Leste (MRO, guevarista) e o Partido Comunista Revolucionário (PCR, marxista-leninista-maoísta).

Ele não participou das eleições de 1989 e o MPP ficou apenas como a 4ª sigla mais votada da Frente Ampla. Mujica então passou a focar no Espacio 609, grupo dentro da Frente Ampla para tentar atrair militantes que deixavam os partidos tradicionais.

Em 1994, ele foi eleito pela primeira vez como deputado pelo MPP. Na ocasião, a esquerda uruguaia conseguiu disputar de igual para igual o Congresso e ainda deu o terceiro lugar nas presidenciais ao socialista e prefeito de Montevidéu, Tabaré Vázquez Rosas. Ele recebeu 621 mil votos, 35 mil votos a menos que o candidato vencedor, Sanguinetti.

Mujica ganhou projeção como deputado e em 1999 foi eleito senador. A Frente Ampla apresentava naquele momento um forte crescimento eleitoral e político entre as bases. Ele e Tabaré Vázquez trabalharam para fortalecer ainda mais esse processo interno para conseguir ganhar a presidência em 2004. Neste ano, Mujica foi reeleito senador e Vázquez venceu a disputa presidencial, consolidando a força da Frente Ampla naquele momento.

Ministro e eleição

No governo Vázquez, Mujica foi nomeado ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. Mesmo eleito como senador mais votado do Uruguai, ele deixou o cargo de presidente da Assembleia para assumir o posto no governo. Quem ocupou seu lugar no Legislativo foi justamente sua companheira, Lucía Topolansky.

Nesse momento, o então ministro conseguiu aumentar a exportação de carne uruguaia – um dos produtos mais importantes dentro das exportações uruguaias – em um contexto de maior demanda global por commodities, movimento que ficou conhecido como boom das commodities. O principal mercado naquele momento era o asiático, especialmente o chinês.

Ele também implementou uma política de redução de preços dos cortes mais consumidos pelos uruguaios de carnes bovinas. Essa manobra deu resultado e a medida ficou conhecida como El asado del Pepe. Tudo isso aumentou a popularidade de Mujica, que passou a ser visto cada vez mais como um político “autêntico” e sem amarras estéticas dos políticos tradicionais. O terno e a gravata, por exemplo, nunca fizeram parte do vestuário do então ministro.

Em 2005, ele se casou com Lucía Topolansky, formalizando uma relação que já havia sido construída. Dois anos mais tarde, ele fez parte da comissão que recebeu o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que passou por Montevidéu em viagem pela América do Sul. Mujica negociou acordos para a compra de carne pelos estadunidenses e foi criticado pela militância. Na ocasião, ele respondeu:

“Se eu não fosse ministro, estaria me manifestando, mas negociar não é vender a alma ou mudar de ideia, é chegar a acordos”.

Em março de 2008, Vázquez promoveu uma reforma ministerial. Mujica deixou o cargo e voltou a ocupar sua cadeira no Senado. Ao final daquele ano, Mujica venceu as primárias da Frente Ampla e assumiu a candidatura para as eleições presidenciais de 2009. O candidato lançou sua candidatura com o lema Um Presidente para Todos.

Seu grupo teve apoio do MPP, PCU, PVP, Compromisso da Frente Ampla (Confa), Corrente de Ação e Liberdade de Pensamento (CAP-L, uma dissidência do MPP) e do Partido pela Seguridade Social (PPSS). Ele enfrentou como principal oponente Luis Alberto Lacalle do Partido Nacional.

Sua campanha foi focada em investimento e transformação na educação. Ele também propôs um “modelo agrícola inteligente”, além da criação de um polo regional de alta tecnologia, para atrair investimentos estrangeiros. Na área fiscal, Mujica propôs manter o Imposto de Renda para a Pessoa Física e o Imposto da Previdência Social para os contribuintes. A proposta de Lacalle era acabar com essas ferramentas de arrecadação.

Ele deixou claro durante a campanha que negociaria com os mais diversos setores. Naquele momento, Mujica afirmou que sua referência na região era o então presidente brasileiro Lula e não o venezuelano Hugo Chávez. Essa oposição de ideias também voltou à tona quando se tornou presidente. O uruguaio disse que poderia “admirar” a revolução bolivariana, mas que esse não era “o caminho que ele escolheria”.

Mujica venceu com 47,9% dos votos, mas não evitou o segundo turno com Lacalle, que recebeu 29,1%. Um mês depois, o candidato da Frente Ampla foi eleito com 52,4% dos votos.

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